Ruy Llera Blanes do Departamento de Antropologia da LSE e do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa analisa a evolução da relação entre Igreja e Estado em Angola do pós-guerra.
Em Janeiro 2011, comecei um projecto de pesquisa sobre a religião em Angola, intitulado ‘Política da esperança’: Igrejas e formação da sociedade em Angola do pós-guerra, coordenada pelo meu colega e amigo Ramon Sarró (ICS, Lisboa). O ponto de partida do projecto foi de reconhecer que a religião (especialemente a cristã) ocupa um papel central na sociedade angolana, o que era inimaginável há somente alguns anos atrás antes do fim da guerra em 2002.
Em Angola a religião ocupa um espaço cada vez mais importante e Luanda faz parte das cidades africanas onde existe o maior número de igrejas. Mega catedrais, ‘serviços públicos’ peregrinações , cobertura da mídia, pregação de rua – todos são símbolos da ‘proliferação religiosa’ que existe na sociedade contemporânea angolana.
Incluí neste projecto a minha pesquisa antropológica anterior sobre a ‘Igreja Tocoísta’. A Igreja Tocoísta’ é um movimento cristão profético que começou nos anos 50. A igreja foi fundada por Simão Gonçalves Toko (1918-1984) ex-estudante da missão baptista após um evento carismático em Leopoldville (hoje Kinshasa) em 1949.
O caso Tocoísta é um dos exemplos da constante transformação entre religião e política em Angola do pós-guerra. Nos tempos coloniais, o movimento foi alvo de uma repressão severa por parte das autoridades portuguesas, perseguido por ser supostamente um ‘movimento terrorista’.
Toko e muitos dos seus adeptos foram presos, torturados e deportados pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Estratégia que não conseguiu impedir o desenvolvimento do movimento religioso mas que alimentou a memoria e ideologia do martírio da igreja.
Depois da independência angolana em 1975, a situação da igreja não melhorou mas sofreu nas mãos do governo do MPLA, sob a liderança do presidente angolano Agostinho Neto – inspirado pelas ideias Marxistas-Leninistas anti-religiosas e também suspeitoso da liderança de Toko.
A persecução continuou mesmo após a morte do profeta em 1984, momento em que a luta pela liderança resultou num conflito interno na igreja, dando daí nascença a diferentes facções na igreja. Em 1992, quando o governo angolano adoptou uma atitude mais tolerante com relação aos assuntos religiosos, foram reconhecidas pelo menos três diferentes ‘Igrejas Tocoístas’.
A situação foi parcialmente resolvida em 2000, quando um homem chamado Afonso Nunes, afirmando ter sido ‘incorporado’ pelo espirito de Simão Toko, assumiu a chefia de uma das divisões mais importantes e dirigiu um movimento de reunião, expansão e impacto público. O seu sucesso foi parcial mas notável.
Com a proclamação de uma ‘nova era’ na igreja atraindo uma geração mais nova, Nunes transformou o Tocoísmo. De igreja clandestina e complacente passou a ser um movimento religioso público vibrante, que opera numa base transnacional, sendo progressivamente identificado como a Igreja cristã angolana.
Nunes que pode ser visto, ouvido ou lido é hoje uma figura pública, que elogia a memoria do ex-presidente Agostinho Neto (Jornal de Angola, 19 de Septembro 2010), suporta o governo do MPLA (Jornal de Angola, 7 de Fevereiro 2011) e está do lado das suas políticas sociais (Angola Press, 13 de Março 2011).
Embora esta mudança de posição possa parecer surpreendente é o resultado da situação social e política em Angola do pós-guerra, onde dominam ideias e debates sobre a reconstrução, o progresso e a esperança, ultrapassando os limites das esferas religiosa e política.
Enriqueceu o meu conhecimento. Obrigada.
Informação de grande utilidade quando se pesquisa sobre o Tocoísmo.
Obrigada!