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Mairon G. Bastos Lima

Karen da Costa

September 29th, 2022

Má governança ambiental no Brasil: o que fazer diante da destruição proposital?

1 comment | 1 shares

Estimated reading time: 5 minutes

Mairon G. Bastos Lima

Karen da Costa

September 29th, 2022

Má governança ambiental no Brasil: o que fazer diante da destruição proposital?

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O desmatamento aumentou significativamente durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro, com os órgãos ambientais sofrendo cortes de financiamento e redução de sua capacidade de monitorar e fazer cumprir os regulamentos. Mas somente a presidência deve ser responsabilizada? Consumidores, comerciantes e investidores também lucraram com a situação, segundo análise de Mairon G. Bastos Lima (Instituto Ambiental de Estocolmo) e Karen da Costa (Universidade de Gotemburgo). 

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Os brasileiros irão às urnas em outubro e podem derrotar ou reeleger o presidente Jair Bolsonaro, figura polarizadora já descrita como “Trump dos Trópicos”. Críticos argumentam que ele é muito pior. Seja qual for o resultado da eleição, a comunidade internacional pode aprender lições importantes com os quatro anos de governo Bolsonaro nesta época de colapso climático. Até porque os mercados globais foram coniventes e lucraram com a devastação, mesmo enquanto o mundo supostamente se une para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.

Em artigo recente, analisamos como o governo Bolsonaro tem lidado com a sustentabilidade ambiental. O Brasil havia reduzido o desmatamento na Amazônia em 70% entre 2004 e 2014, mas o desmatamento voltou a aumentar e atingiu patamares que não eram observados há mais de 20 anos. Povos indígenas e outras comunidades tradicionais sofreram desproporcionalmente com o que pode parecer uma política de não interferência.

Desde 2018, ano anterior à posse de Bolsonaro, as invasões de reservas indígenas triplicaram geralmente para extração ilegal de madeira ou mineração irregular de ouro.

O aparente descaso pode confundir. Nossa análise se baseou na literatura sobre “boa governança”, em estudos jurídicos sobre negligência (não execução de medidas exigidas por lei), imperícia (desempenho impróprio) e má conduta (ações intencionalmente prejudiciais) para chegar a uma diferenciação entre falta de governança, governança imprópria e má governança (ver Figura 1) e concluir que a postura do governo Bolsonaro não configura falta de governança ou simples omissão.

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Source: Bastos Lima and Da Costa (2022)

Examinamos dois casos detalhadamente: o aumento do desmatamento na Amazônia e a abordagem do governo ao derramamento de óleo no litoral do Nordeste em 2019. Naquele grave desastre ambiental, milhares de toneladas de óleo de origem incerta causaram o maior acidente petrolífero da história do país. Foi também o desastre ambiental mais grave já visto em costas tropicais, que matou incontáveis animais marinhos e afetou milhões de pessoas que dependiam direta ou indiretamente da pesca. As causas do desastre ainda estão em discussão e ninguém foi responsabilizado.

Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, insinuou nas redes sociais que o Greenpeace poderia ser o culpado, afirmando que um navio da organização estava em águas internacionais perto da região. Para reduzir gastos, o governo federal deu fim aos comitês de execução e apoio criados em 2013 sob o Plano de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo. A limpeza da orla ficou a cargo de voluntários, que se expuseram a substâncias contaminantes, e autoridades regionais, que tiveram suas ações prejudicadas por má coordenação e mau compartilhamento de recursos por agências federais. Nossa conclusão é que se tratou de um caso evidente de governança imprópria, considerando que a resposta tardia e desorganizada amplificou os impactos do desastre.

Destruição ambiental proposital

O desmatamento da Amazônia é uma questão distinta, em nossa opinião. Lá, a destruição ambiental é proposital, motivada por puros interesses econômicos e desrespeito à preservação ambiental ou às populações tradicionais. Realizamos extensa análise de documentos, incluindo dezenas de decisões, ordens executivas e decretos que o governo Bolsonaro usou para reduzir o financiamento aos órgãos ambientais e sua capacidade de monitorar e fazer cumprir os regulamentos.

Embora a grilagem e os interesses do agronegócio e da mineração já estivessem avançando sobre a Amazônia e o desmatamento da região estivesse aumentando desde 2014, todas essas questões ficaram muito piores sob Bolsonaro. Durante uma reunião ministerial em abril de 2020 que veio a público posteriormente por decisão do Supremo Tribunal Federal, o ministro do Meio Ambiente propôs abertamente aproveitar o fato de que a Covid-19 estava desviando a atenção da mídia para eliminar restrições ambientais sem enfrentar o escrutínio da sociedade.

Este seria um caso clássico de má governança, que é essencialmente um problema ético e político, não técnico ou meramente gerencial. São ações deliberas contra metas e normas estabelecidas para determinada área. Sendo assim, em nível internacional, a questão não pode ser endereçada por formas convencionais de assistência, como ajuda financeira ou construção de capacidade.

Os brasileiros irão às urnas, mas a comunidade internacional também tem poder para influenciar esses casos, graças às interdependências econômicas.

O desmatamento da Amazônia é impulsionado principalmente por interesses econômicos exploratórios por parte de setores como mineração e agricultura, que recebem financiamento externo e dependem, pelo menos parcialmente, dos mercados de exportação. Ou seja, apesar das declarações em prol dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, consumidores, comerciantes e investidores foram cúmplices das ações de Bolsonaro, dado que não retaliaram a má governança ambiental no Brasil e inclusive lucraram com ela.

Ressaltando que não é uma questão de negligência, mas de agenda econômica, a literatura deixa claro que, nesses casos, alterar estruturas de incentivos por meio de condicionalidades – com base nessas interdependências internacionais – pode alterar favoravelmente os cálculos de custo-benefício. A reforma política — em que os detentores do poder do Estado se engajam com outras partes interessadas — não acontece se os detentores do poder continuarem colhendo benefícios sem incorrer em ônus nas relações econômicas internacionais.

Nossa análise extrai lições da literatura sobre o apartheid na África do Sul para argumentar que, em última análise, os agentes internacionais só podem conquistar mudanças sustentadas se contribuírem para o empoderamento de coalizões de adversários que atuam dentro do país. Portanto, trata-se de deixar de tolerar as ações de Bolsonaro e apoiar mudanças de baixo para cima no Brasil. A má governança não pode ser abordada em relacionamentos com seus causadores, mas sim e somente por meio da retirada de seus recursos políticos e econômicos, ao mesmo tempo em essas autoridades são responsabilizadas perante as pessoas a quem governam.

Notas:
• As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a posição do Centro ou da LSE
• Tradução de Camila Fontana
• Por favor, leia nossas Políticas de Uso (EN) antes de fazer comentários
• Imagem do banner: Storage yard with piles of wood logs legally extracted from an area of ​​brazilian amazon rainforest / Tarcisio Schnaider (Shutterstock)

About the author

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Mairon G. Bastos Lima

Mairon G. Bastos Lima is a Research Fellow at the Stockholm Environment Institute, Sweden, and research coordinator of the Transparency for Sustainable Economies (Trase) initiative. He holds a PhD in environmental studies from the VU University Amsterdam (2014) and has worked extensively on sustainability policy and governance.

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Karen da Costa

Dr. Karen da Costa is Senior Lecturer at the School of Global Studies, University of Gothenburg, Sweden.

Posted In: Bolsonaro's Brazil | Climate change | Democracy

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