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Filipe Domingues

April 17th, 2020

Igrejas Abertas e Remédios Milagrosos: A Resposta ao Covid-19 no Brasil de Bolsonaro

4 comments | 5 shares

Estimated reading time: 4 minutes

Filipe Domingues

April 17th, 2020

Igrejas Abertas e Remédios Milagrosos: A Resposta ao Covid-19 no Brasil de Bolsonaro

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A determinação de Jair Bolsonaro de isentar igrejas e suas organizações afiliadas das medidas de isolamento social durante a pandemia do novo coronavirus é mais um sínal de uma administração embrulhada em interesses Cristãos evangélicos. Filipe Domingues explica por que essa base religiosa foi crucial para a vitória eleitoral de Bolsonaro e como ela continua a influenciar uma série de políticas governamentais, incluindo a resposta ao COVID-19.

Presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto. Foto: Carolina Antunes/PR, via Flickr.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, chamou de “gripezinha” a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, e vem minimizando as medidas de isolamento social por causa do seu impacto econômico. Mas ele convocou um dia de jejum e oração contra doença. “Estou pedindo um dia de jejum para quem tem fé, em nome de que o Brasil fique livre desse mal”, declarou na rádio Jovem Pan, na quinta-feira, 2 de abril.

Rapidamente, espalhou-se pelas redes sociais um convite para o domingo, 5 de abril, chamando a iniciativa de “Santa Convocação”. A proposta, disse o presidente, foi um conselho de “padres e pastores”.

Aderiram ao movimento especialmente evangélicos conservadores. Mas Bolsonaro recebe apoio também de alguns católicos: em 8 de abril, o presidente postou no Twitter imagens de encontro com um grupo da Renovação Carismática Católica. Eles carregavam a imagem de Nossa Senhora de Fátima e diziam que ele é parte do “projeto de salvação” de Deus. “O senhor vai nos libertar do Comunismo”, diziam.

O apelo de Bolsonaro a um dia de jejum, que circulou pelo WhatsApp.

O discurso bolsonarista é intrinsecamente religioso. Bolsonaro foi eleito em 2018 com apoio de um expressivo grupo cristãos conservadores, entre os quais ainda mantém influência. Mesmo quando não trata de religião, o presidente de extrema-direita incorpora elementos discursivos religiosos.

Essa visão vem impactando, inclusive, a forma como ele lida com a atual pandemia. Bolsonaro vai à Justiça para manter as igrejas abertas, considerando-as “serviços essenciais”. E propõe um remédio quase milagroso para a Covid-19, a hidroxicloroquina, cuja eficácia entre os infectados ainda carece de comprovação científica.

Aliança conservadora

O presidente Bolsonaro chegou ao poder sem uma base política organizada. Ele não tem relações firmes no parlamento e rompeu até mesmo com o partido que o elegeu, o Partido Social Liberal (PSL). Bolsonaro tenta criar um partido seu, a Aliança pelo Brasil, liderado por si e por seus três filhos.

Sua rede de apoios foi, na verdade, composta por uma aliança entre: a) empresários de visão econômica liberal; b) representantes do agronegócio; c) uma rigorosa ala militar conservadora (o próprio Bolsonaro foi paraquedista na juventude e defende cegamente o regime ditatorial que governou o país de 1964 a 1985); e d) líderes religiosos de linha moral conservadora.

Essa congregação arrebanhou o forte sentimento popular anticorrupção que levou milhões de pessoas às ruas a partir de 2013. Sentimento que se concretizou na operação Lava Jato”, da Polícia Federal, por meio da qual políticos e empresários foram presos por corrupção.

A Lava Jato elevou ao patamar de “herói popular” o juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça de Bolsonaro e responsável pela prisão do seu maior arquirrival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi libertado em novembro de 2019, após 580 dias preso, e permanece solto enquanto seus vários processos correm na Justiça.

Com discurso populista, Bolsonaro venceu. Seu caráter altamente ideológico não foi impedimento: ele foi eleito mesmo após inúmeras declarações machistas, homofóbicas, em defesa da tortura, do livre acesso às armas de fogo e contra direitos humanos básicos.

O sentimento que elegeu Bolsonaro incluiu o “antipetismo”, referência ao Partido dos Trabalhadores (PT), dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, que sofreu um impeachment, em 2016, por manobras fiscais, sob forte pressão econômica e popular. As falas contra um histórico inimigo, o Comunismo, faziam parte desse discurso, principalmente entre os milhões de seguidores de Bolsonaro nas redes sociais.

O papel da religião

No campo religioso, uma pesquisa Datafolha indicou que, entre os evangélicos, o presidente conseguiu mais do que o dobro de votos do seu adversário do PT, Fernando Haddad, candidato escolhido por Lula. Já entre os católicos, a eleição foi acirrada, com 50% para cada. Bolsonaro tende atrair os católicos mais conservadores, enquanto Haddad capturou os mais voltados às questões sociais

Os evangélicos são cerca de 22% da população brasileira, enquanto os católicos ainda chegam a 65%, de acordo com o Censo de 2010. Bolsonaro se diz católico, mas sua esposa, Michelle, é evangélica. Mas ele se mostra muito mais próximo aos evangélicos. O presidente chamou a conferência dos bispos católicos (CNBB) de “parte podre da Igreja” e não fez questão de visitar o Papa Francisco. Seu governo chegou a usar agência nacional de inteligência para verificar as intenções do Sínodo da Amazônia.

O presidente Bolsonaro vem sinalizando aumentar isenções de impostos para igrejas e privilegia organizações ligadas aos midiáticos e poderosos pastores do país. Exemplo disso é sua proximidade à TV Record, que pertence ao bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, em detrimento da maior emissora do país, a TV Globo. A verba publicitária do governo federal destinada à TV Record aumentou mais de 60% em seu governo.

Outro elemento curioso é o apoio quase incondicional de Bolsonaro a Israel, país sem tradição comercial do Brasil – enquanto os árabes são grandes compradores de commodities brasileiras. Bolsonaro cogitou levar a embaixada do Brasil para Jerusalém, imitando o movimento do presidente americano, Donald Trump, e vê no primeiro-ministro Benjamin Netanyahu um aliado internacional a quem chamou de “irmão”. Aqui, a pauta religiosa fala mais alto. Para muitos evangélicos, o cristianismo só voltará ao auge quando dominar a Terra Santa.

Esse complexo histórico religioso do governo Bolsonaro levanta uma série de questões, e a mais óbvia é a relação Estado x Religião. O presidente tem ministros evangélicos, como Damares Alves, do ministério dos Direitos Humanos, cujo principal atributo técnico é ser pastora. Além disso, ele já afirmou que pretende nomear um juiz “terrivelmente evangélico” para a Suprema Corte do país, assim que tiver a chance.

No entanto, o impacto dessa visão de mundo tem tido seus efeitos também na epidemia.

Essa visão religiosa também influenciou a reação à COVID-19. Como mencionado antes, Bolsonaro chegou a decretar que igrejas fazem parte dos “serviços essenciais” que precisam permanecer abertos mesmo durante um prolongado período de isolamento social. Um juiz vetou essa decisão e anulou a validade do decreto presidencial, mas o governo Bolsonaro recorreu e conseguiu reabrir as igrejas por alguns dias. O caso ainda não está encerrado, mas em 14 de abril, outro juiz disse que “atividades religiosas de qualquer tipo” devem ser excluídas dessa lista.

A pressão para manter as igrejas funcionando vem, de novo, da ala evangélica, que também tem uma potente bancada no parlamento, de cerca de um terço. O pastor Silas Malafaia, um dos principais apoiadores de Bolsonaro, chamou o isolamento de “quarentena de araque” e, por seus comentários, teve posts apagados por diferentes redes sociais (bem como o próprio presidente).

Do lado católico, muitos bispos hesitaram em suspender a celebração das missas. Entre eles, os cardeais de São Paulo, Odilo Scherer, e o do Rio de Janeiro, Orani Tempesta. Mas, vendo as recomendações dos governos estaduais e da Organização Mundial da Saúde (OMS), aceitaram e medida. Até a Semana Santa foi celebrada com igrejas vazias. Já o presidente da conferência episcopal, Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte, considera preocupante o comportamento do presidente com relação ao isolamento social.

O presidente insiste em investir numa espécie de pregação durante a pandemia: a hidroxicloroquina, para ele, é o remédio que cura a Covid-19. Em todo o mundo, ainda faltam evidências conclusivas sobre sua eficácia e efeitos colaterais. Como diz a colunista política do jornal Valor Econômico, Maria Cristina Fernandes, “em meio a uma epidemia que já matou mil brasileiros, o presidente receita uma poção milagrosa”.

Ainda não está claro o quanto Bolsonaro mantém da rede de apoios que o elegeu. Pesquisas das últimas semanas mostram queda em sua popularidade por causa da pandemia, embora seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, seja bem avaliado (a quem, justamente por isso, ele demitiu).

Ainda não há clima político para um impeachment, segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, responsável por abrir um eventual processo. Tampouco anima os brasileiros a ideia de o vice-presidente de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, assumir o poder e abrir uma nova era militar.

Mas é fato que o viés religioso de Bolsonaro vai determinar a forma como ele lida com a atual pandemia. E, certamente, vai definir seu futuro político.

Nota: A tradução em inglês deste artigo pode ser encontrada aqui.

Nota: Este artigo reflete as opiniões do(s) autor(es), e não a posição do blog LSE Religion and Global Society, nem da London School of Economics.

About the author

Filipe Domingues

Filipe Domingues is a journalist who specialises in reporting on religion. He lived in Rome for six years. He has a PhD in Social Sciences from Rome’s Pontifical Gregorian University, and studies communication and societal ethics.

Posted In: COVID—19 | Featured | Latest

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