Na continuação da nossa série de analises sobre o futuro das relações Sino-Africanas, Ana Cristina Alves da LSE e SAIIA , relata-nos o ponto da vista de Angola.
A intensa relação entre a China e Angola no pós-guerra explica-se principalmente pelo surgimento de interesses económicos complementares. A globalizacao da economia chinesa potenciada pelo seu crescente poder financeiro e pela procura de mercados e recursos naturais no exterior , coincidiu com o fim da guerra civil em Angola em 2002, o aumento da sua produção de petróleo e a necessidade de reconstrução nacional . Foram estes elementos que alimentaram o aumento dramático de interacção económica entre a China e Angola nos últimos anos.
Esta convergência de interesses constitui a pedra angular da relação actual entre a China e Angola. , Tendo logo de início identificado correctamente o desenvolvimento de infrastruturas como prioritario para Luanda no contexto pós-guerra, Pequim ofereceu os seus prestimos para financiar o projecto de reconstrução do governo em troca do acesso privilegiado a blocos petrolíferos e aprovisionamento de petróleo a longo prazo.
A cooperacao China-Angola, baseada na fórmula “infra-estrutura por petróleo”, tornou-se desta forma mais aparente nos sectores que têm sido a força motriz do rápido crescimento económico de Angola nos últimos anos: a construção da infra-estruturas e a indústria petrolífera.
A analise da história recente da interaccao destes dois paises possibilita vislumbrar algumas tendências futuras: as .
1. No contexto actual e considerando a dimensao do projecto de reconstrução de Angola, a China devera permanecer como um dos principais agentes na reconstrução do país graças aos seus incomparáveis recursos financeiros e a sua capacidade de garantir uma rápida prestação. . Subsistem, contudo, vários desafios que afectam esta dimensão da relação. Nomeadamente, a qualidade inferior das infra-estruturas fornecidas por companhias chinesas, a ausência de procedimentos de manutenção e o facto do conteúdo (equipamento, trabalho e serviços) ser maioritariamente chinês.
Parte da responsabilidade, cabe também as autoridades angolanas nomeadamente pela ausencia de um quadro regulamentar sólido para a indústria da construcao bem como de um sistema de supervisão eficaz. A abordagem destes problemas trará certamente mudanças significativas no modo como as companhias Chinesas operam no sector.
Com efeito, os novos empréstimos que estão neste momento em negociação (10 mil milhoes de dólares em discussão com o EXIM Bank) incluirão supostamente uma maior parcela da participação local em termos de serviços, equipamento e trabalho.
2.É improvável que as companhias petroliferas Chinesas o adquiram um acervo significativo no sector petrolífero angolano num futuro próximo. A China dispoe do capital necessário, mas ao contrário do sector de construção, falta-lhe dois aspectos cruciais: tecnologia e experiência relevante na exploração das reservas de petróleo de águas ultra-profundas onde estao localizadas a maioria das reservas angolanas. .
Nos últimos anos, Luanda moderou com êxito as ambições de Sinopec barrando sistematicamente as suas tentativas de adquirir mais blocos na indústria petrolífera angolana fora da joint venture com a Sonangol (Sonangol Sinopec International).
Além disso, ao contrario do que sucedeu com o primeiro emprestimo em 2004, tudo leva a crer que os novos empréstimos são menos susceptíveis de produzir activos petrolíferos para companhias chinesas como beneficio colateral; Luanda parece determinada em separar ’as aguas’. Neste cenario, a Sinopec terá poucas alternativas para levar a cabo os seus interesses na indústria petrolífera de Angola a não ser por meio da parceria com a Sonangol.
Neste contexto, apesar de se esperar que a China reforce a sua posição de maior destinatario das exportações petrolíficas de Angola, a indústria do petróleo angolana permanecera dominada pelas grandes companhias petrolíferas ocidentais.
3. É provável que a presença da China em Angola se diversifique a médio prazo não só com respeito a sectores económicos, mas também em termos de intervenientes. Presentemente, a maioria do investimento chinês em Angola tem sido injectado por empresas estatais chinesas (SOE) nos sectores da construção e petrolífero.
Com a gradual entrada em funcionamento das redes de transporte do país, e de esperar que o investimento privado chinês penetre os segmentos de comercio a retalho, distribuição, manufacturas, extraccao mineira e outros serviços como turismo, banca e transportes. Contrariamente às estatais chinesas , a expansao o investimento privado chines será muito mais dependente da percepção de risco, particularmente no que tocaao quadro regulatorio doinvestimento estrangeiro e em matéria de estabilidade política.
A mudança política pode, de facto, pairar no horizonte de Angola a curto ou médio prazo . Receando o destino infame dos seus homólogos norte-africanos,o presidente José Eduardo dos Santos reiterou recentemente o desejo de se aposentar e nomear um sucessor..
Neste enquadramento há quatro cenários possíveis a considerar::
a) Dos Santos permanece no poder
b) Dos Santos nomeia um sucessor e deixa as suas funções
c) a oposição ganha as eleições de 2012
d) O regime é deposto por levantamento popular.
Se a oposição ganhasse as eleições legislativasagendadas para este ano (facto improvável devido a uma oposição muito enfraquecida) e a transição fosse pacífica, os interesses chineses nao seriam grandemente afectados, visto que o papel da China em Angola (no petróleo e na construção) é ainda pouco controverso.
Entretanto, a deposição do regime apresentaria maiores desafios para os interesses da China em Angola devido à instabilidade que dai adviria juntamente com a possível necessidade de evacuação dos seus cidadãos (estimados em 100.000).
Este é, todavia, um cenário pouco provavel devido à debilidade da sociedade civil angolana e à ainda recente memória colectiva de quase tres decadas de guerra civil.. Por conseguinte, os dois primeiros cenários permanecem os mais plausíveis e nesse contexto é provável que a aliança entre a China e Angola se consolide à medida que ambos países se vão familiarizando e continuando a explorar os seus interesses económicoscomplementares.
Ana Cristina Alves é igualmente pesquisadora sénior no South African Institute of International Affairs e docente no Instituto do Oriente- Instituto Superior de Ciencias Sociais e Politicas da Universidade Técnica de Lisboa.