Após esforços para erradicar a doença, a dengue ressurgiu na década de 1970 e os futuros aumentos de temperatura e chuvas apenas amplificarão essa tendência. Os governos precisam agir de imediato e adotar medidas preventivas para proteger seus cidadãos, principalmente os mais vulneráveis, escreve Ana de Menezes (LSE Department of Geography and Environment), vencedora do Prêmio Ensaio de Pós-Graduação LSE-BID 2018.
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A dengue é uma infecção transmitida por mosquitos que se mostra letal em um a cada cinco casos graves. Ela é endêmica em 100 países, o que a torna a doença viral transmitida por mosquitos que se espalha mais rapidamente no mundo. A Organização Mundial da Saúde incluiu a dengue entre as dez principais ameaças globais para a saúde em 2019.
Apesar de as doenças transmitidas por mosquitos não serem um fenômeno novo em muitas áreas tropicais e subtropicais do mundo, mudanças climáticas e sociais sem precedentes configuram um cenário no qual elas poderiam afetar a população global em uma escala maior que nunca antes. Reduzir a vulnerabilidade a futuros riscos relacionados à saúde torna-se, assim, um grande desafio.
Da mesma forma que a Zika, a febre amarela e a chikungunya, a dengue é transmitida por um vírus transportado, principalmente, pelo mosquito Aedes aegypti. O ciclo de transmissão do vírus é essencialmente urbano e é constituído por seres humanos como hospedeiros e mosquitos como vetores. Fêmeas do mosquito são infectadas quando se alimentam do sangue de hospedeiros humanos infectados. Depois de um período de incubação, o vírus é transmitido para outro hospedeiro através das glândulas salivares do mosquito.
A proliferação de mosquitos Aedes aegypti pode ser afetada por condições urbanas precárias em termos de saneamento, armazenamento de água e habitação. O caráter urbano da doença é especialmente preocupante quando consideramos que a maior parte da população mundial estará vivendo nas cidades até final do século.
Dengue nas Américas, dengue no Brasil
Os surtos de dengue nas Américas tendem a ocorrer em ciclos de três a cinco anos. Nas últimas três décadas, a incidência da doença aumentou quase cinco vezes. Em termos absolutos, isso significa um aumento de cerca de um milhão de casos na década de 1980 para 4,7 milhões de casos de 2000 a 2007.
A Organização Pan-Americana da Saúde, juntamente com governos nacionais, desenvolveu um plano continental para a erradicação do mosquito Aedes aegypti em 1947, e, como resultado, o mosquito foi erradicado em 18 países em 1962. Mas esse sucesso relativo foi revertido por um enfraquecimento gradual do programa devido ao declínio da relevância política da questão. Na década de 1970, a doença ressurgiu e começou a se espalhar novamente.
Sozinho, o Brasil responde por cerca de 80% de todos os casos da doença na América Latina (ver figura 1), o que significa que entender os fatores de risco no contexto brasileiro pode fornecer uma indicação sobre o potencial de disseminação da dengue em toda a região.
Para este fim, eu modelei potenciais determinantes climáticas e socioeconômicas para incidência da dengue e projetei índices de incidência futura para todas as 558 microregiões brasileiras. Tendo como base um banco de dados de 5.566.457 casos de 2001 a 2012, encontrei uma média de 6.93 casos por mês, todavia este número aumenta para 16 quando considerado somente o período de pico da incidência (Fevereiro-Abril).
O modelo revela que altas temperaturas, baixa renda média per capita e maior precipitação acarretam em maior incidência da dengue, embora acesso à sistema de esgoto e àgua encanada também desempenham papel importante.
Potencial de impacto das mudanças climáticas na saúde
Variações de temperatura e chuvas (ver figuras 2 e 3) são determinantes significativos da incidência de dengue porque são importantes para a sobrevivência, densidade, padrões de alimentação, taxas de reprodução e replicação viral interna dos mosquitos.
Dessa forma, quando projetamos os efeitos das mudanças climáticas sobre a incidência futura da doença, descobrimos que o número de casos deve aumentar em quase todas as regiões brasileiras. Além disso, embora essas simulações tenham foco na dengue, seus resultados provavelmente serão relevantes para outras doenças transmitidas principalmente pelo mosquito Aedes aegypti, como é o caso da chikungunya e da zika.
O aumento na incidência da dengue também pode ter consequências significativas para a saúde pública. Um estudo recente publicado na revista Nature revelou que a morte materna é três vezes mais provável em mulheres com dengue do que naquelas sem a doença. Este risco aumenta para 450 vezes quando se consideram apenas mulheres com dengue hemorrágica.
Se, de fato, as mudanças climáticas atuarem como um amplificador desta e de outras doenças sensíveis ao clima, os governos precisarão se concentrar na adoção de medidas de adaptação que possam proteger seus cidadãos.
Uma medida técnica para esse cenário é o desenvolvimento de sistemas de alerta para surtos de dengue que liguem previsões meteorológicas às possíveis áreas de transmissão da doença. Além disso, considerando que os impactos sobrecaem desproporcionalmente em certos grupos vulneráveis da população, pesquisas futuras também devem analisar possíveis discrepâncias nos resultados causadas por diferenças de renda, gênero e raça.
Notas:
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