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Jessica Sklair

October 28th, 2022

Eleições Brasil 2022: momento crítico para a filantropia da elite brasileira

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Estimated reading time: 6 minutes

Jessica Sklair

October 28th, 2022

Eleições Brasil 2022: momento crítico para a filantropia da elite brasileira

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As eleições no Brasil são uma oportunidade para quem faz filantropia no país mostrar apoio a um futuro mais justo e com mais equidade. Mas os filantropos da elite estão à altura desse desafio? Nos últimos anos, essa elite fez pouco no sentido de contestar as desigualdades estruturais do Brasil, concluiu Jessica Sklair (Queen Mary University of London).

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Desde minha primeira visita ao Brasil há duas décadas, eu nunca tinha visto um clima político tão tenso e polarizado quanto o que predomina no país atualmente. Faltam poucos dias para o segundo turno da eleição que resultará na volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, ou na reeleição do presidente Jair Bolsonaro, de extrema direita. Os eleitores estão se posicionando ferrenhamente, deixando claro quem preferem.

Isso não se aplica ao grupo que estudo há anos: as empresas e famílias de elite que fazem filantropia no Brasil. A quase ausência de filantropos do debate político mostra que é preciso olhar para esse grupo. O que a ambiguidade política dos filantropos brasileiros diz sobre o projeto filantrópico da elite do país e sobre a elite de modo mais amplo?

A filantropia faz pouco no sentido de contestar desigualdades profundamente enraizadas

No livro Brazilian Elites and their Philanthropy: Wealth at Service of Development (Routledge, 2022), eu argumento que a filantropia da elite brasileira se baseia em tentativas de integrar os pobres nas estruturas de mercado do sistema capitalista tardio do país. Em última análise, essa filantropia sustenta a reprodução e a legitimação das estruturas profundamente enraizadas da desigualdade socioeconômica e o papel da própria elite nessas estruturas.

Na prática, as fundações filantrópicas brasileiras dedicam a maior parte de seus recursos à elaboração e execução de programas restritos em áreas como educação, geração de renda e capacitação profissional. Poucas fundações brasileiras se envolvem em doações de alto nível a organizações e movimentos sociais que têm se mostrado vibrantes no país, trabalhando na base do sistema em prol de questões como direitos humanos, justiça racial, direitos das mulheres, indígenas e LGBTQ+, reforma agrária e mudanças climáticas. Sem financiamento local, essas organizações da sociedade civil (OSCs) historicamente dependem de financiamento externo.

Nos últimos anos, grupos como a Rede de Filantropia para a Justiça Social lançaram apelos para que brasileiros doassem para OSCs brasileiras. Houve algum sucesso e o surgimento de um punhado de novas fundações que fazem doações (por exemplo, o Instituto Betty e Jacob e o Instituto Ibirapitanga), mas seu número ainda é bastante limitado.

Logo após assumir a presidência em 2019, Bolsonaro iniciou um extenso ataque às OSCs. Organizações de direitos humanos (que trabalham em diversas das questões descritas acima) e defensores do meio ambiente foram submetidos a uma onda de opressão por apoiadores do novo governo, sancionada pelo Estado. Em seguida, as OSCs se viram na linha de frente da pandemia de Covid-19. O negacionismo e a má gestão da pandemia por Bolsonaro colocaram as OSCs em dificuldades ainda maiores para ajudar as populações que atendem e que foram desproporcionalmente afetadas pelos efeitos da pandemia. Nos últimos quatro anos, esses eventos tornaram ainda mais crítico o apoio às OSCs de base, mas poucos filantropos da elite brasileira encararam esse desafio. Então por que filantropos que afirmam estar trabalhando para resolver os problemas sociais e econômicos mais prementes do Brasil não aumentaram significativamente o apoio a essas organizações?

Interesses econômicos bem atendidos

Em um capítulo do livro A Horizon of (Im)possibilities: A Chronicle of Brazil’s Conservative Turn (editado por Katerina Hatzikidi e Eduardo Dullo para a University of London Press em 2021), escrevi que, em sua maioria, os filantropos de elite não toleram a extrema opressão à sociedade civil sob o governo Bolsonaro. No entanto, os interesses econômicos da elite financeira — da qual os filantropos brasileiros fazem parte — foram bem atendidos pelas políticas neoliberais ortodoxas implementadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Foram implementadas novas medidas para desregulamentação e aprofundamento da financeirização da economia brasileira que, somadas às políticas de austeridade fiscal adotadas ao longo do último ano (apesar da vulnerabilidade econômica que persistiu mesmo após o período mais crítico da pandemia), levaram a um aumento da desigualdade.

Embora o governo Bolsonaro e sua resposta à pandemia tenham levado a uma rápida piora nos indicadores sociais e de pobreza que haviam melhorado durante a gestão pelo Partido dos Trabalhadores, essas medidas também contribuíram para o projeto de acúmulo extremo de riqueza entre as elites do país, dando a esses grupos poucos motivos econômicos para retirar o presidente do cargo.

Se os filantropos da elite levassem a mudança social no Brasil a sério, poderiam usar seu poder e influência para coordenar uma campanha pública para ajudar a remover Bolsonaro e defender um futuro mais justo e equitativo para o país.

Precedentes existem. A Fundação Tide Setubal, criada por uma herdeira maior banco privado do Brasil, o Itaú, vem se manifestando publicamente contra a desinformação que circula nas redes sociais de direita no período que antecede a eleição. Mas assumir uma posição política explícita é algo raro no cenário filantrópico do Brasil.

O receio dos filantropos brasileiros em se posicionar publicamente contra a opressão a organizações de direitos humanos e defensores do meio ambiente enquanto toleram a possível reeleição de um presidente que declarou apoio a essa opressão diz muito sobre o arcabouço ideológico por trás da atuação da elite que faz filantropia no Brasil. Esse posicionamento também transmite uma mensagem preocupante sobre os interesses das elites do país (incluindo as filantrópicas) e sobre o que estão dispostas a tolerar para proteger esses interesses.

Notas:
• As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a posição do Centro ou da LSE
• Tradução de Camila Fontana
• Por favor, leia nossas Políticas de Uso (EN) antes de fazer comentários
• Imagem do banner: People walk through a shopping location in downtown Salvador, Brazil / Joa Souza (Shutterstock)

About the author

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Jessica Sklair

Jessica Sklair is a Lecturer in the School of Business and Management and a Fellow of the Institute for the Humanities and Social Sciences at Queen Mary University of London.

Posted In: Bolsonaro's Brazil | Democracy | Posts em português

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