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Adam Baird

February 25th, 2020

Pesquisa de macho: bravata, perigo e segurança etnográfica

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Estimated reading time: 8 minutes

Adam Baird

February 25th, 2020

Pesquisa de macho: bravata, perigo e segurança etnográfica

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Profile photo of Adam BairdSer um pesquisador do sexo masculino na América Latina e no Caribe envolve um conjunto peculiar de benefícios e riscos, mas também molda os projetos de pesquisa, os dados e, em última instância, as análises. Ao contrário de colegas do sexo feminino, pesquisadores homens raramente refletem sobre sua posicionalidade, mas isso pode fortalecer nossa pesquisa, ajudar no nosso desenvolvimento profissional e aprimorar nosso comportamento ético em campo, escreve Adam Baird (Coventry University) após sua participação no Researcher Links Workshop sobre governança, crime e segurança internacional, com LSE LACC, PUC-SP e UNICAMP.

• Also available in English

Por que falar de masculinidades e metodologia? Por si só, o fato de praticamente ninguém falar disso é razão suficiente. Isso é especialmente verdadeiro quando consideramos que o outro gênero proporciona uma valiosa tradição de epistemologia feminista, que passa por metodologia e análise crítica e traz à tona assimetrias de poder relacional. Isso não significa que existe uma “epistemologia masculinista” a ser descoberta, mas que os pesquisadores do sexo masculino raramente refletem sobre sua posição como “homens na pesquisa”.

Ser um pesquisador homem tem algumas vantagens, especialmente os elementos do privilégio masculino, ao mesmo tempo em que implica desvantagens e possíveis fragilidades. Contudo, o ponto central deste artigo é que refletir criticamente sobre complexidades da experiência masculina pode ajudar a nos tornarmos pesquisadores melhores e mais éticos.

O homem como pesquisador na América Latina e no Caribe

Minha própria experiência vem de entrevistar membros de gangues de rua na América Latina e no Caribe, um processo no qual o papel do gênero é tão profundo que se manifesta abaixo do nível de consciência.

Ao abordar membros de gangues nas ruas, criei o hábito de potencializar minha “vantagem masculina”. Eu tentava agradar falando sobre futebol, cerveja ou mulheres — o pacote de conversas divertidas entre homens. Curiosamente, minha própria caracterização passou a refletir a masculinidade dos membros das gangues que eu entrevistava, ao menos superficialmente. Eu absorvi as normas linguísticas deles, a linguagem das ruas.

The author poses with two former gang members in Belize
O autor com dois rapazes que haviam participado de gangues em Belize (© 2020, Adam Baird)

A construção dessa competência cultural foi completamente permeada pela questão de gênero. Virar “um dos caras” para obter acesso gera dilemas morais. Essa carta na manga está disponível para pesquisadores do sexo masculino, mas claramente não da mesma maneira para as mulheres.

A identidade de gênero do pesquisador pode ser aproveitada na busca por interesses comuns. O desenvolvimento de uma camaradagem baseada em gênero com jovens membros de gangues abre portas para ouvir sobre atividades “masculinas” das gangues, como a glorificação da violência, armas, brigas e sexo. A masculinidade compartilhada entre pesquisador e sujeito pode direcionar significativamente o processo metodológico e a análise resultante de maneiras que não estamos cientes ou não podemos controlar naquele momento.

Masculinidade, confiança e dados

A masculinidade metodológica é uma faca de dois gumes. Por um lado, pode ser extremamente eficaz para conseguir entrevistas e informações sobre a vida dos homens: conversas amigáveis podem quebrar o gelo e evoluir para uma discussão mais sincera.

Certa vez conversei com dois rapazes na Cidade de Belize que estavam tentando deixar gangues, ganhando dinheiro com produção musical e eventos. Inicialmente, eles falavam sobre mulheres usando termos explícitos de conquista sexual, mas depois passaram a fazer confissões, admitindo a vergonha que sentiam por atuar como “gigolôs” para clientes mais velhas e ricas para pagar as contas. Minha impressão é que eles não teriam admitido isso para uma pesquisadora.

Por outro lado, o “papo de homem” entre pesquisador e pesquisado pode estabelecer um tom de bravata que dificilmente diminui, a menos que os pesquisadores estejam cientes disso. Esse quadro pode dificultar o processo de convencer os homens a discutir áreas mais delicadas de suas vidas, como a carga emocional provocada por violência, traumas e perdas ou o impacto da violência das gangues sobre indivíduos, famílias e comunidades.

Claramente, homens que pesquisam homens podem impor aos dados uma forma masculinista. Isso não é necessariamente ruim, mas exige autorreflexão.

Segundo minha experiência, muitos membros de gangues se comportam de forma performativa. Quando falavam com outro homem, a competição masculina e o ego masculino frequentemente se manifestavam, especialmente quando eles se colocavam como heróis em episódios de violência nas ruas. No entanto, conversas com pessoas da comunidade muitas vezes revelavam que esses mesmos homens também eram estupradores e assassinos.

Por este ângulo, virar “um dos caras” também fundamentou “amizades” eticamente obscuras com membros de gangues, levantando sérias questões sobre como a camaradagem masculina no trabalho de campo pode legitimar as narrativas locais de violência.

Por outro lado, ser homem também bloqueou outros caminhos, como eu descobri ao investigar a violência sexual praticada por gangues. Basicamente, minha posição como pesquisador do sexo masculino significava que as moças da comunidade não falavam comigo sobre o que viveram e, em última instância, eu só consegui acesso às informações relevantes quando colaborei com uma pesquisadora.

Isso confirma um argumento apresentado por uma colega mulher: embora o vínculo masculino talvez não seja uma alternativa disponível às pesquisadoras, outros caminhos específicos de gênero estão abertos para elas.

Quando entrevistou membros de gangues em uma cidade equatoriana na juventude, essa colega conseguiu criar intimidade e acessar informações que normalmente não são compartilhadas nas conversas de homem para homem. Muitos anos depois, ela retornou àquela comunidade e foi recebida como uma “vovó simpática” pelos membros das gangues, o que contribuiu para que conseguisse tirar confissões e respostas emocionais deles.

Dá para imaginar a enorme divergência potencial nas análises e nos dados qualitativos obtidos por “um dos caras” e por uma “vovó simpática”.

Masculinidade e risco em campo

Existe um “risco masculino” durante um trabalho de campo perigoso? Minha própria noção de “segurança etnográfica” é que, com o tempo, os pesquisadores aprendem a perceber e evitar perigos, adquirindo um entendimento das “regras do jogo” nas comunidades violentas. Essas regras — parâmetros normativos locais de risco e vitimização — são profundamente influenciadas pelo gênero.

Embora raramente se comente sobre o risco específico ao sexo masculino, o risco de gênero é enfrentado pelas pesquisadoras desde sempre. As mulheres da área regularmente sofrem objetificação sexual, assédio e interações sexualizadas durante o trabalho de campo. A literatura descreve até episódios assustadores de estupro.

A dinâmica de risco de gênero raramente passa pela cabeça dos pesquisadores do sexo masculino durante o trabalho de campo. É difícil imaginar uma conversa com um colega que comece com a pergunta “como ser homem afeta sua segurança em campo?”

Obviamente, é muito menos comum que pesquisadores do sexo masculino sejam vítimas de assédio e abuso sexual, a ponto de a questão ser raramente considerada. No entanto, rapazes jovens formam a maioria das vítimas de assassinato em comunidades violentas na América Latina e no Caribe. O que isso significaria para um jovem pesquisador que se aventura nesses ambientes?

É preciso ter em mente que pesquisadores raramente são assassinados em campo e que ameaças são muito mais comuns do que a violência de fato. O integrante de uma gangue ameaçou me matar nas ruas de Medellín, o que interrompeu minha pesquisa por várias semanas. Mas a vitimização tem formas de gênero e acredito que esse incidente teria se desenrolado diferentemente se eu fosse mulher. Talvez eu passasse uma imagem menos ameaçadora ou haveria menos desconfiança de que eu fosse informante da polícia ou eu não fosse alvo de tanta agressividade. Ou, em vez disso, eu teria sido alvo de alguma forma de assédio sexual.

As ameaças que imaginamos como homens e mulheres são usadas nos cálculos dos riscos que corremos em campo, que por sua vez influenciam os resultados da pesquisa.

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“Precisamos tomar cuidado para não escrever relatos sensacionalistas que valorizem o grande etnógrafo homem, branco e intrépido que corre riscos.” (photo-nic.co.uk, licença Unsplash)

Masculinidade, bravata e “pesquisas de macho”?

Também é digno de nota que o trabalho metodológico “radical” — no qual o pesquisador adota a posição de risco dos participantes da pesquisa — seja predominantemente masculino.

Estes são apenas alguns exemplos: um pesquisador cruzou a fronteira dos EUA por uma rota traiçoeira junto com migrantes mexicanos; outro entrou para uma gangue na América Central; um terceiro passou uma noite com viciados em crack embaixo de uma ponte em São Paulo, na primeira semana de trabalho de campo para o doutorado; outro pesquisador viajou de barco durante uma semana pela costa do Nordeste brasileiro com um bando de contrabandistas armados.

Todos esses casos envolvem pesquisadores do sexo masculino fazendo pesquisas junto a homens (na maioria das vezes). Até certo ponto, a própria identidade de gênero condicionou a percepção de risco pessoal que eles corriam, essencialmente proporcionando a eles acesso a ambientes talvez menos abertos às mulheres.

A referência à pesquisa realizada por homens em ambientes perigosos como “pesquisa de macho” é admitidamente uma provocação. Porém, há um argumento sério por trás disso: como homens, é preciso ter consciência do ego masculino, da nossa libido dominandi e das tentações da bravata em nossos métodos. Da mesma forma, precisamos tomar cuidado para não escrever relatos sensacionalistas que valorizem o grande etnógrafo homem, branco, que é intrépido e corre riscos.

Para muitos pesquisadores de violência, também é difícil desligar a bravata masculina quando não estão em campo. Em conferências acadêmicas, é frequente a troca de histórias sobre escapar por pouco de tragédias, com um tom de indiferença. A antropóloga Kimberly Theidon observou:

… em inúmeras conversas, ouvi colegas do sexo masculino engajados em disputas no ‘índice de horror’; quem viu as cenas mais sangrentas, os corpos mais destroçados, quem se esquivou do maior tiroteio?

Também precisamos ser honestos. No passado, me peguei criticando a escolha de colegas de pesquisa sobre gangues porque o local “não era tão violento assim, não como Medellín ou a Cidade de Belize”. Certa vez, participando de uma conferência quando eu era candidato ao doutorado, mostrei fotos de pessoas chorando sobre o caixão de um líder comunitário assassinado. Ao fazer isso, enfrentei críticas justificadas de que as imagens eram tangenciais ao argumento e, portanto, gratuitas. Aprendi a lição.

Resumidamente, chegou a hora de discutir e aprimorar nosso entendimento das masculinidades na metodologia de maneira mais ampla. Seria um serviço prestado não apenas à nossa análise, mas também aos nossos esforços de desenvolvimento profissional e aprimoramento do nosso comportamento ético em campo.

 

Notas:
• As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a posição do Centro ou da LSE
• Baseado no artigo do autor “Dancing with danger: ethnographic safety, male bravado and gang research in Colombia” (Qualitative Research, 2017)
• Tradução de Camila Fontana Corrêa
• Imagem em destaque: Craig McLachlan, licença Unsplash
• Por favor, leia nossas Políticas de Uso (EN) antes de fazer comentários

About the author

Profile photo of Adam Baird

Adam Baird

Dr Adam Baird is a Research Fellow at the Centre for Trust, Peace, and Social Relations at Coventry University and a Visiting Fellow of LSE Latin America and Caribbean Centre. He holds a PhD from the Peace Studies Department at the University of Bradford and is a trained ethnographer with a focus on crime, gang violence, Citizen Security, and urban insecurity in Latin America and Caribbean. He is an ‘Associated Expert’ to the UNDP Crisis Response Unit for armed violence reduction and Citizen Security and has also worked with the ICRC, Norwegian Red Cross, as well as various NGOs and community-based organisations.

Posted In: Gender | Posts em português | Society

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