“Comunista” e “terrorista” são termos com conotação populista no Brasil. Após os ataques contra as instituições democráticas em 8 de janeiro, o país iniciou um novo capítulo no debate sobre potenciais ameaças terroristas, explica Daniel Oppermann (Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo – NUPRI-USP).
Read this post in English
Termos e conceitos têm papel central na política. Quem deseja se dirigir a um grande número de pessoas e convencê-las de determinada ideia costuma usar expressões simples para evitar explicar questões complexas em detalhes. Esse elemento da comunicação política é usado por agentes de tendências políticas distintas e não se limita aos populistas.
Líderes democratas também simplificam questões complicadas, mesmo sabendo que avançam na direção do populismo. No Brasil, políticos de esquerda, centro e direita utilizam termos específicos para mobilizar apoiadores e difamar adversários. Difamação virou tendência. Rótulos com associações graves são empregados para marginalizar e até criminalizar oponentes políticos em vez de criticá-los objetivamente.
No Brasil, “comunista” e “terrorista” são termos com conotação populista. A esquerda usa a palavra “fascista” para difamar seus oponentes, enquanto os de direita categorizam seus opositores como “comunistas”. Mas no contexto da invasão de edifícios do governo federal e do poder judiciário em janeiro de 2023, o rótulo “fascista” foi temporariamente substituído pelo termo “terrorista”.
As invasões em Brasília
Após a derrota de Jair Bolsonaro por uma margem apertada de votos em outubro de 2022, apoiadores do ex-presidente montaram acampamentos junto a quartéis em todo o país para pedir intervenção militar. A justificativa dos manifestantes inclui o medo de um comunismo imaginário e, nesse caso, acusações de fraude eleitoral. O clamor por um regime militar (e, portanto, por abolir a democracia) é componente frequente de manifestações da direita populista e da extrema direita no Brasil. Esses protestos têm sido tolerados no âmbito da liberdade de expressão, embora juristas considerem esse posicionamento ilegal.
Aproximadamente 4 mil pessoas foram até Brasília na primeira semana de 2023 para tomar parte nos protestos de 8 de janeiro. Mais de 1.500 indivíduos foram presos nas horas após os ataques e no dia seguinte. Manifestantes que se dirigiram aos edifícios públicos naquele domingo formaram uma multidão que avançou até as sedes dos três poderes, acompanhada por um pequeno número de policiais. Apesar do grande número de manifestantes, quase não havia forças de segurança na área. Vídeos mostraram policiais sem intenção visível de reverter a situação e, após breve conflito, abrindo caminho para os manifestantes passarem por uma barreira. As forças de segurança do país vêm sendo criticadas por comportamento irregular há anos.
Enquanto Bolsonaro esteve no poder, a Esplanada dos Ministérios foi palco de grandes manifestações por seus apoiadores, mas as motivações desse grupo mudaram após o fracasso de sua tentativa de reeleição em outubro. Centenas de defensores de um golpe militar invadiram e depredaram prédios governamentais e do poder judiciário na capital sem precisar enfrentar forças de segurança — uma novidade na história recente do Brasil. Sem impedimentos, vândalos ocuparam o Congresso, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, que estavam praticamente vazios, e depredaram e atearam fogo em alguns desses locais.
O ataque às instituições democráticas iniciou um novo capítulo no discurso sobre terrorismo no Brasil
No momento da invasão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia tomado posse uma semana antes, estava em outro estado. As primeiras reações ao ataque saíram simultaneamente na imprensa. As primeiras reportagens falavam que os edifícios públicos foram invadidos por “golpistas”. Porém o termo “terrorista” também foi usado para descrever os manifestantes. O governo inicialmente se referiu aos invasores como “golpistas” ou “fascistas”, mas depois passou a usar o termo “terrorista”.
Nas reportagens veiculadas nos dias e semanas seguintes e nas discussões políticas, a palavra “terrorista” se consolidou. Alguns meios de comunicação — inclusive os mais chegados a Bolsonaro — continuaram usando expressões como “atos antidemocráticos” ou “golpistas” e evitaram usar a palavra “terrorista”.
Até então, um governo de esquerda no Brasil nunca havia feito uma acusação tão contundente de terrorismo. Os ataques de bolsonaristas às instituições democráticas iniciaram um novo capítulo no discurso sobre terrorismo no país.
Contexto histórico dos dois termos
Para entender o significado de terrorismo e sua relação com o comunismo no contexto brasileiro, é preciso considerar a função desses dois termos na história do país.
Uma das origens do anticomunismo no Brasil é a rejeição ao movimento operário, influenciado pela Revolução Russa e outros fatores. O movimento se iniciou no Brasil no começo do século 20, resultando na formação de organizações e partidos comunistas ao longo dos anos. Como alguns ativistas imigraram da Europa, elementos conservadores da sociedade brasileira temiam a subversão por comunistas estrangeiros. Essa preocupação é um elemento importante que ainda hoje aparece em teorias de conspiração.
Confrontos por vezes violentos entre trabalhadores e forças de segurança, discursos revolucionários e o argumento de que organizações ligadas ao movimento operário deveriam ser banidas contribuíram para retratar a esquerda brasileira como facção criminosa e terrorista. Essa percepção se manteve durante a ditadura militar (1964-1985). Após a restauração da democracia, a retórica sobre comunistas e terroristas recuou. A partir de 2003, durante o primeiro governo do Partido dos Trabalhadores (PT), as autoridades evitaram uma conversa pública sobre terrorismo. Isso teve como pano de fundo os acontecimentos envolvendo integrantes do governo de esquerda e seus aliados na época em que combatiam a ditadura.
O conceito de terrorismo se diversificou um pouco no Brasil com a mudança de discurso nos Estados Unidos e Europa em decorrência dos atentados em Nova York em 2001. Mas vale ressaltar que o país não adotou a postura transatlântica (apesar da situação na região da tríplice fronteira) nem teve uma discussão restritiva a respeito de grupos religiosos. Contudo, houve um debate sobre a nova lei antiterrorismo, aprovada em 2016.
Embora a esquerda brasileira tenha evitado o terrorismo como debate, a questão voltou à tona durante o governo de extrema direita de Bolsonaro. Representantes do populismo de direita se fortaleceram e tentaram criminalizar organizações de esquerda durante seu mandato, classificando determinadas organizações ou características de esquerda como “comunistas” ou “terroristas”. Com o governo Bolsonaro e o movimento político em seu entorno, o anticomunismo do século passado foi estendido, assim como o discurso sobre supostos vínculos entre a esquerda social-democrata e o terrorismo. As redes sociais facilitaram a disseminação dessas mensagens.
Expansão do conceito de terrorismo
A designação dos radicais de direita que invadiram o Congresso como terroristas abriu um novo capítulo no debate público sobre potenciais ameaças terroristas. Nos últimos cem anos, a direita propagou acusações de terrorismo para estigmatizar movimentos e partidos de esquerda. Alguns segmentos da esquerda usaram essa expressão durante a ditadura militar, acusando órgãos de segurança de praticar terrorismo estatal. Ainda assim, a esquerda teve pouco interesse no assunto terrorismo após a democracia ter sido restaurada.
Isso mudou após os ataques de 8 de janeiro. A partir dessa data, a esquerda brasileira e grande parte da imprensa passaram a se referir a alguns grupos da direita contemporânea como terroristas. Se existe objetividade ou precisão ao se rotular uma multidão irracional, antidemocrática e violenta desta forma é outra discussão. Essa disputa, inicialmente verbal, se tornará judicial no futuro próximo e ajudará a definir a relação entre os campos políticos e seus discursos no curto e longo prazo.
Notas:
• As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a posição do Centro ou da LSE
• Tradução de Camila Fontana
• Por favor, leia nossas Políticas de Uso (EN) antes de fazer comentários
• Imagem do banner: CEGOS, urban intervention by Desvio Colectivo criticising the recent events in Brasilia, on January 8. / BenedictFaga (Shutterstock)